Obsessão e Compulsão
Uma jovem mãe está atormentada com pensamentos de que pode fazer mal ao seu bebé. Sabe que não o quer fazer, mas sente-se impelida a pensar nessa possibilidade e tem medo de poder passar à acção. Recusa-se , por isso, a pegar em facas, garfos e outros objectos "perigosos". E, por mais que tente, não consegue afastar essas ideias terríveis.
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Um engenheiro químico lava as mãos, meticulosamente, dezenas de vezes por dia e receia que alguma sujidade lhe provoque doenças. As mãos já estão secas e gretadas de tanta lavagem, mas por mais que tente tem de continuar a lavá-las.
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Henrique está com sérios problemas na loja onde trabalha. Chega todos os dias atrasado. Apesar de se levantar bem cedo, não consegue sair de casa sem antes verificar 10 vezes se apagou as luzes e outra tantas se apagou o gás, sem antes tocar todos os objectos metálicos do quarto, sair e entrar 7 vezes na porta principal, e contar e recontar todas as pedras negras do passeio em frente a casa. Todos os dias acrescenta algo mais a esta estranha lista de actividades. Ele sabe que estes actos, a que se obriga e que tanto tempo lhe consomem, são um disparate, mas receia que, se não os cumprir alguma coisa terrível possa vir a acontecer.
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A PERTURBAÇÃO OBSESSIVA- COMPULSIVA PODE DESTRUIR A VIDA DUMA PESSOA. É POSSÍVEL EVITÁ-LO. Saiba como.
Tome atenção a:
1. OBSESSÕES- São ideias que invadem ou se fixam na cabeça duma pessoa contra a sua vontade. São pensamentos desagradáveis, que a pessoa tenta contrariar , sem o conseguir. Do tipo: Vou fazer mal ao meu bebé (agressão); As mãos estão sujas, tenho de as lavar (contaminação de qualquer espécie) ; Não devo ter apagado as luzes- ou outras dúvidas; A minha bexiga (ou qualquer outra parte do corpo) não funciona bem; Vai acontecer algo de mau…
2. COMPULSÕES- São actos repetidos que a pessoa se obriga a fazer (rituais), apesar de muitas vezes lhe serem por alguma forma desagradáveis. As mais comuns são de limpeza (lavar as mãos) e de verificação (ver se apagou as luz, se fechou a porta ou o gás, se está óptimo tudo o que realizou ). Outras são de contagem (contabilizar objectos, pessoas, acontecimentos), de ordenação (arrumar tudo numa sequência fixa: alinhar alfabeticamente, por tamanhos, por cores, por simetria, etc). Estes são comportamentos iguais, de dia para dia, que uma vez realizados, dão algum alívio à pessoa que os pratica, como se a acalmassem quanto a uma qualquer inquietação ou se a protegessem dum mal que a persegue, que viria a acontecer se não os praticasse. Contudo, este alívio é apenas temporário, pouco depois tudo volta ao mesmo.
3. CONSCIÊNCIA DA DOENÇA- As pessoas com perturbação obsessivo compulsiva sabem que os seus pensamentos e as suas acções são disparatadas, ou pelo menos exageradas, e que , na realidade, não têm nenhum efeito de escudo quanto a qualquer desgraça que possa vir a acontecer. Têm toda a consciência que este seu estado não é normal, gostariam de ser diferentes. Mesmo assim não conseguem libertar-se nem das suas ideias(obsessões) nem dos seus comportamentos(rituais, compulsões).
4. RESISTÊNCIA- A maioria das pessoas com perturbação obsessiva compulsiva luta para evitar que os pensamentos a perturbem, e até para os contrariar. Também tentam evitar cumprir os rituais. Algumas até conseguem ter sucesso durante algum tempo, ou quando estão a realizar algumas actividades especiais, ou no trabalho ou na escola. Mas , à medida que a doença progride, essa resistência enfraquece e , toda a vida da pessoa acaba por ficar completamente dominada pelas ideias patológicas , pelos comportamentos ou por ambos.
5. DISSIMULAÇÃO- Na maioria dos casos, as pessoas com perturbação obsessivo compulsiva tentam esconder dos outros o seu problema. Acham-no tão estranho que se envergonham, ou temem ser consideradas incapazes, fracas ou anormais. Se a doença ainda está no inicio e os sintomas não são muitos, nem muito fortes, conseguem esconder (dissimular) durante algum tempo. Uma grande desvantagem dessa dissimulação é a de que só conseguem obter o tratamento adequado muito tempo depois da instalação da doença. E , nessa altura, os sintomas podem estar tão gravemente entranhados e ter corroído de tal maneira, o quotidiano da pessoa doente, serem tão resistentes que a mudança se torna muito difícil.
6. INTERFERÊNCIA- Só se conclui pela existência de doença obsessiva compulsiva se os sintomas e todo o quadro clínico interferirem realmente com a normal prossecução da vida das pessoas que os têm. Ou seja, se os pensamentos e os comportamentos têm impactos negativos. Não se deve confundir com doentes os muitos indivíduos que , ocasionalmente, se fixam em certos pensamentos (preocupações), ou que planeiam meticulosamente o seu dia a dia, ou que exigem de si altos níveis de eficácia (perfeccionismo).
7. DURAÇÃO- Os sintomas de perturbação obsessiva compulsiva são duradouros (permanecem anos, décadas). Em certos casos a doença pode atenuar- se para algum tempo depois se agravar. O habitual é a progressão contínua e lenta para pior. Esta é uma doença crónica.
Agora que pode reconhecer, em si ou nos outros, este tipo de perturbação, saiba que esta é uma doença e até é comum. Estima-se que mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de perturbação obsessiva compulsiva. Sabe-se que é devida a uma alteração neuroquímica do cérebro, e como para qualquer outra doença, não se deve culpar o doente.
A doença afecta homens e mulheres de todas as idades e condições. Infelizmente é comum as pessoas só procurarem tratamento 7 ou mais anos após o inicio do sofrimento e quando já têm outros problemas associados.
Para quê sofrer?
A PERTURBAÇÃO OBSESSIVA COMPULSIVA TEM TRATAMENTO.
Medicamentos- De preferência antidepressivos, mas apenas alguns são úteis para o tratamento. Por vezes é necessário fazer associações medicamentosas, que só o seu psiquiatra saberá seleccionar.
Psicoterapia comportamental- Está também recomendado que além de remédios se providencie uma psicoterapia do tipo comportamental. Neste tratamento a pessoa com a doença é deliberadamente exposta ao objecto (ou ideia) receados, quer directamente quer por meio de imaginação, sendo depois desencorajado (com técnicas especiais) o comportamento compulsivo. Ao mesmo tempo o doente irá aprender a controlar os seus próprios pensamentos e a sua ansiedade.
Outras psicoterapias- Uma psicoterapia de apoio regular e continuada, com algum pendor psicopedagógico, ajudará a pessoa a compreender a doença, a saber lidar com os sintomas e a minorar a ansiedade face à situação. Na maioria dos casos é desejável envolver a família mais próxima do doente neste processo, para que ao compreenderem possa tornar-se importantes ajudas.
TENHA ESPERANÇA!
Quanto tempo durará o tratamento? Dado esta doença ser crónica e normalmente só ser tratada quando em estado adiantado (veja-se que costuma surgir na adolescência) o tratamento é prolongado: mais de 1 ano a toda a vida. Porém, as melhoras costumam ser visíveis a breve prazo e o retorno a vida normal faz-se em meses.
SEJA ÚTIL!
O que é que posso fazer para ajudar alguém com perturbação obsessiva compulsiva?
Não culpe o doente. Ele não é fraquinho, nem palerma. Só um malfeitor ou um ignorante insulta quem tem uma doença. Informe-se e divulgue informação sobre doença obsessiva compulsiva.
Encorage a pessoa com sintomas que fazem suspeitar de doença obsessiva compulsiva a ir ao médico. Um diagnóstico precoce e um tratamento atempado são fundamentais.
Não se deixe envolver nas obsessões e compulsões do doente. Isso só servirá para acentuar o disfuncionamento.
Pode e deve demostrar o seu interesse na ajuda, acompanhe a pessoa ao médico, ajude-a a cumprir o tratamento e seja tranquilo e optimista.
Maria Antónia Frasquilho, psiquiatra